segunda-feira, 18 de junho de 2012

O Chamado da Noite


O Sol se esconde do outro lado do mundo enquanto a bruma negra da noite mais uma vez levanta-se de sua alcova. Como era no princípio e agora e sempre, até o ocaso deste mundo. Tão certo como a noite é o meu despertar, como foi na noite de meu nascimento para as trevas e agora e sempre, até o ocaso deste mundo ou até que finde a minha existência, minha não-vida, minha maldição.
A noite me chama e não há como resistir. Não há fuga para a necessidade selvagem que irrompe das minhas entranhas. Não há substância em toda a criação que possa substituir o doce, quente e sublime sabor do sangue vivo. Não há penitência ou sacrifício que possa me redimir. Resistir significa dor. Dor além da compreensão humana. Para os filhos da noite, abstinência é a pior das agonias.
A cidade é minha selva. Cada rua, cada esquina, cada beco são pequenos obstáculos que apenas adornam meu campo de caça. Eu a conheço em todos seus detalhes. Não existe refúgio possível para aquele que o destino marcou como minha presa.
Será como um sonho. Talvez acordes, talvez não. Apenas uma leve brisa em tuas costas anunciará, tarde demais, a minha presença. Pode ser que ignores este sinal e simplesmente continues a caminhar e não terás dado nem dois passos antes que meu abraço te envolva, selando teu destino. Pode ser que percebas o que está atrás de ti e te vires e me fites. Se minha fome permitir, pode ser que tenhas tempo suficiente de questionar quem sou. Se eu julgar que és digno, posso me dignar a te responder. Se puderes com tua inocência, teu espírito ou tua beleza despertar a curiosidade de um imortal, poderás mudar teu destino.
Eu te direi que esta é minha sina: alimentar-se daqueles que cruzam meu caminho; sugar a essência fluída de toda a vida humana, pois a alma da carne está no sangue; testemunhar as conquistas e desgraças humanas; existir para sempre dia após dia, ano após ano, era após era, contemplando a transformação dos tempos mas permanecendo eternamente imutável; permanecer isolado de tudo e de todos pois a solidão é o estigma dos amaldiçoados.
Talvez eu te deixes ir para que perpetues a lenda dos imortais. Talvez te tornes apenas mais uma fonte da qual beberei até me saciar. Mas não me
agrades demais. Jamais faças com que eu te ame ou o teu destino será o pior de todos, pois eu te tornarei carne de minha carne e sangue de meu sangue. Compartilharei contigo minha maldição na ânsia de que alivies minha solidão. Serás mais um imortal, condenado à noite eterna e à eterna fome por sangue vivo.
Mas não me demorarei demais contigo, não importa qual seja a minha decisão. Tenho a eternidade, mas a noite é curta e cobra seu preço dos que não sabem honrá-la. Percorro as artérias da metrópole, livre, rápido como um pensamento, saboreando a ilusão efêmera daquilo que os humanos chamam de felicidade, até o último segundo antes da aurora. Até que o dia roube mais uma vez os dons das trevas obrigando-me a repousar sob o refúgio das sombras.
E assim será até que a lua reine novamente sobre o firmamento e o chamado da noite desperte-me novamente para cumprir minha sina agora e sempre, até o ocaso deste mundo ou até que finde a minha existência, minha não-vida, minha maldição.
Caesarean
18/06/2012